arvorar


Uma vez olhando para minha janela percebi que algo de estranho acontecia com a rua. Os galhos das árvores moviam-se como se estivessem sendo balançadas por uma tempestade, mas nenhum vento soprava. Corri para mais perto e espantei-me ao ver que as árvores caminhavam pelas ruas. Elas se arrancavam do chão, arrebentando as calçadas e derrubando postes. Suas raízes moviam-se como cobras deslizando e se enroscando nas raias da cidade. Laçavam e esmagavam todas as pessoas que encontravam pelo caminho. Era o fim da raça humana no planeta. Mesmo sabendo que seria consumido, fui ao encontro da amendoeira que plantei quando tinha apenas seis anos de idade. Ela ficava em frente à janela do meu quarto. Desviando de suas raízes para que não fosse devorado, pulei no balanço que meu pai havia feito, e por ele subi até o ponto mais alto. Ela parecia não me reconhecer. Contorcia-se balançando sua imensa cabeleira para que eu caísse às suas raízes. Segurando firme, eu consegui percorrer, com ela junto a centenas de outras árvores, por íngremes e distantes montanhas. Mas o passeio não durou muito tempo. Eu já não tinha mais força para lutar contra ela. Caí como uma amêndoa madura no chão. Os corpos esmagados serviram de adubo, deixando a terra cada vez mais verde. O meu fim tinha cheiro de terra. O meu recomeço tinha gosto de água. Minha voz se desfazia em vento e meus cabelos tocavam o céu.

clênio magalhães

3 comentários:

Poesia disse...

Clênio meu bem...é lindo!
Arborar!?!
beijos azuis

Yiuki Doi disse...

legal que vc dança, atua, pinta e escreve! Do jeito que você é perfeccionista deve fazer tudo muito bem. Curti muito o seu texto Arborar. Outro dia vou arriscar em escrever algo maior... eu somente sintetizo as minhas idéias nos textos num jeito bem japonês. rssss. Amigo, vou nesta, agora preciso voltar para pesquisa de criação. Em outubro o nosso próximo espetáculo precisa ficar pronto! Socorro. rsss. Abraços.

cleniomagalhaes.blogspot.com disse...

arvorar...2.lugar no festival internacional de literatura arnaldo giraldo na categoria conto.