Os estranhos


Madrugada, rua deserta que vai dar num viaduto. Umidade, talvez xixi. Não só xixi, caem gotas de água sem origem aparente, do teto do viaduto que possui um terço das lâmpadas acesas. Dois jovens entram simultaneamente no viaduto, na mesma calçada, em direções opostas. Receado, um deles atravessa a rua, o outro tira a camisa. O viaduto tem cem metros e ainda faltam uns quarenta para que eles se cruzem. Olham para os lados, para trás, para frente e não percebem um só movimento. Os corações aceleram. Em ambos martelam pensamentos de medo e dúvida: “será um ladrão?”, “não posso demonstrar medo”,...
Para escapar das artimanhas deste possível ladrão, ambos, olham de soslaio e imitam um ao outro. O andar vai ficando mais relaxado, os dois sem camisa, curvam-se cada vez mais as colunas, chutam-se objetos, cospem no chão, pegam no saco e agressivamente aceleram os passos. Passam um pelo outro, proferem um cumprimento indefinido, acenam com gestos semelhantes e seguem suados do fastio pela encenação tão tecnicamente perfeita executada.
Voltam para suas vidas reais, depois de imitarem a irrealidade de alguém que também o está. Julgam-se orgulhosos de suas técnicas de auto-defesa. O viaduto foi um espelho de dois reflexos, que positivamente dissimulados safaram-se de se conhecer.
(foto: Performance Dos Sonhos Galeria Monhangara 2006 - Mônica Queiroz e Clênio Magalhães.)

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