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OUTRO TEXTO


escrever enquanto dura um pequeno toco de vela, um resto de incenso, uma ponta gasta de lápis, uma guimba de cigarro. escrever sem motivo aparente embora saiba que são muitas as obrigações engavetadas para este ofício. escrever ao leo por uma incapacidade cognitiva, por preguiça de mergulhar, por não pretender dizer verdades. escrever para equivocar me e depois ler estas palavras soltas como um espelho turvo a revelar me as idéias confusas. escrever a sensação das experimentações aleatórias que me cobram paradoxalmente um resgate das minhas experiências passadas para criação do novo. escrever para pausar a leitura. escrever para evitar outro cigarro. escrever como exercício mental já que o momento não me permite suar. o suor agora é a parafina que se mostra ampulheta insistindo que eu reflita sobre a utilidade destas palavras. escrever sobre a vela? escrever sobre o lápis? sobre o incenso? sobre o cigarro? não. pois não saberia aprofundar me em tão pouco tempo. minhas idéias não passariam de combinações poéticas e metafísicas destes objetos. para aprofundar me teria que recorrer a bibliotecas ou a artigos na internet para que eu possa objetar me ou referenciar me. escrever para não poder parar de escrever agora em virtude da criação de uma  regra que consiste em  escrever sem tirar o lápis do papel até que a chama deste toco de vela se esgote inundando de escuridão o quarto. que título darei a este texto? quantas perguntas idiotas surgem à minha mente que seriamente se ocupa de cumprir regras de uma brincadeira criada de si para si. a vontade de parar surge numa crítica pessoal. surge também uma vontade de rir e expressar tal sensação em texto. mas no fundo não há nenhuma graça nesta inutilidade e não faria sentido inserir neste texto uma série de kkkás ou hahahaás só para preencher o tempo, para gastar o lápis, folha, etc. a pressa me faz mudar a letra. antes arredondada, calma e caprichosa, agora oblíqua, reta e urgente. agora acompanho com mais exatidão as linhas imaginárias desta folha branca sem pautas. uma descoberta: uma dúvida: uma utilidade: por que quando escrevo rápido respeito as regras de caligrafia que aprendi na infância? antes mesmo do fim da vela que acaba de derramar sobre a cabeceira da minha cama um filete de parafina escaldante, surge no texto um pretexto para uma futura pesquisa. a vela derrete como uma lágrima derramada pelo seu próprio fim. agora não penso mais no começo do texto mas já visualizo a escuridão do quarto quando o pavio se acabar. escrevo com a mesma rapidez mas percebo que por saber do fim da luz tornei mais largas as pautas imaginárias como numa ânsia de chegar logo o fim da página. a vela agora parece invisível. só vejo um pavio flamejante equilibrando se no nada. o distante plim plim de uma TV vizinha me fez pensar sobre um outro alguém que se ocupa de uma ação banal como a que me encontro agora. ansiedade de fim de ano talvez. esta época nos faz pensar sobre os fins e recomeços. o fim do ano como o fim da vela, o fim do cigarro, o fim do lápis, o fim do texto, o fim da folha, o fim do incenso, enfim,o fim da chama que se aproxima. quantos textos terei que escrever no ano que vem? a parafina agora ferve produzindo um som borbulhante sobre a madeira. luta pela existência mesmo sabendo da sua impossibilidade. a chama aumenta como um grito desesperado. o olhar divide se entre a chama e a folha. precisarei de outra vela, de outro lápis, de outro incenso, mas para não apagar como esse pavio que se esvai, refletirei sobre a necessidade de outro cigarro. frases últimas já escritas na escuridão. precisarei continuar em outra ocasião esta banal brincadeira. pensarei em novas regras. pois gostei e preciso de um novo texto.

Comentários

Tati Tassis disse…
Que ansiedade. Angústia.
Vontade de ter a vela acesa por mais tempo...

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