Pular para o conteúdo principal

Isto não é um cachimbo.

René Magritte.Bruxelas, 1898/1967.Isto não é um Cachimbo.


(sobre a pintura de Magritte, ISTO NÃO É UM CACHIMBO) "...
Primeira versão, a de 1926, eu creio: um cachimbo desenhado com cuidado e, em cima (escrita a mão, com uma caligrafia regular,caprichada, artificial, caligrafia de convento, como é possível encontrar servindo de modelo no alto dos cadernos escolares, ou num quadro-negro, depois de uma lição de coisas), esta menção: "isto não é um cachimbo".....A outra versão - suponho que a ultima -, pode-se encontrá-la na Alvorada nos antípodas . Mesmo cachimbo, mesmo enunciado, mesma caligrafia. Mas em vez de se encontrarem justapostos num espaço indiferente, sem limite nem especificação, o texto e a figura estão colocados no interior de uma moldura; ela própria está pousada sobre um cavalete, e este, por sua vez, sobre as tábuas bem visíveis do assoalho. Em cima, um cachimbo exatamente igual ao que se encontra, mas muito maior......."Será necessário então ler:" Não busquem no alto um cachimbo verdadeiro, é o sonho do cachimbo; mas o desenho que está lá sobre o quadro, bem firme e rigorosamente traçado, é este desenho que deve ser tomado por uma verdade manifesta..."...não consigo tirar da idéia que a diabrura reside numa operação tornada invisível pela simplicidade do resultado, mas que é a única a poder explicar o embaraço indefinido por ele provocado...Essa operação é um caligrama secretamente constituído por Magritte, em seguida desfeito com cuidado.......separação entre signos liguísticos e elementos plásticos; equivalência de semelhança e da afirmação. Estes dois princípios constituíam a tensão da pintura clássica: pois o segundo reintroduzia o discurso (só há afirmação ali onde se fala) numa pintura onde o elemento linguístico era cuidadosamente excluído. Daí o fato de que a pintura clássica falava e - falava muito - embora fosse se constituindo fora da linguagem; daí o fato de que ela repousava silenciosamente num espaço discursivo; daí o fato de que ela instaurava, acima de si própria, uma espécie de lugar-comum onde podia restaurar as relações da imagem e dos signos.......Magritte liga os signos verbais e os elementos plásticos, mas sem se outorgar, previamente, uma isotopia; esquiva o fundo de discurso afirmativo, sobre o qual repousava tranquilamente a semelhança. e coloca em jogo puras similitudes e enunciados verbais não afirmativos, na instabilidade de um volume sem referência e de um espaço sem plano.......Nada de tudo isso é um cachimbo...mas um texto que simula um texto; um desenho de um cachimbo que simula o desenho de um cachimbo...(desenhado como se não fosse um desenho) ..."...entre a parede e o espelho, que capta reflexos, e a superfície opaca da parede, que recebe apenas sombras, não há nada...em todos esses planos escorregam-se similitudes que nenhuma referencia vem fixar: translações sem ponto de partida nem suporte.......a exterioridade, tão visível em Magritte, do grafismo e da plástica, está simbolizada pela não-relação - ou em todo caso pela relação muito complexa e muito aleatória entre o quadro seu título.......estranhas relações se tecem, intrusões se produzem, bruscas invasões destrutoras, quedas de imagens em meio às palavras, fulgores verbais que atravessam os desenhos e fazem-no voar em pedaços........Magritte deixa reinar o velho espaço da representação, mas em superfície somente, pois não é mais do que uma pedra lisa, que traz figuras e palavras: embaixo não há nada. É a lápide de um túmulo: as incisões que desenham as figuras e a que mascaram as letras não comunicam senão pelo vazio, por esse não-lugar que se esconde sob a solidez do mármore......parece-me que Magritte dissociou a semelhança da similitude...NotaCf Foucault, Michel, Isto não é um Cachimbo, Editora Paz e Terra, pp11/12/15/ 60/75/76
(sou muito fã deste texto, porque além de ser divisor de águas na vida de quem o lê, sou fã de quem a ele me apresentou. valeu heráclito!)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

FUNDAMENTOS DA DANÇA

Figura 1: Paintbrush sobre Jean-Georges Noverre A DANÇA NA PRÉ-HISTÓRIA (1.000.000 a.C. ao Século V) Devido a grandes revoluções humanas a dança sofreu grandes transformações, desde seu "surgimento". Devido a marcante presença da expressão corporal em seu processo de desenvolvimento, a dança acompanha a cultura de cada época. Valores, crenças, hábitos e comportamentos de cada fase histórica da humanidade refletem no fazer em dança demonstrando seu aspecto político e co-criador da realidade. Quando pensamos em dança, temos uma ideia de dança, uma concepção particular do movimento conhecido cultural e artisticamente como dança em determinada época. Essa ideia de dança é pessoal e intransferível, pois mesmo em coletivos culturais, ao contar ao outro qual é a sua ideia de dança, esta já se transforma em outra dança, carregada de valores de quem a experienciou e a transferiu como conhecimento. Há de se imaginar que a ideia de um movimento transcendente foi sendo transmitida ...

Camaleões Festa Contemporânea

Clênio Magalhães + Cib Maia Ph by Netun Lima Ph by Phellipe Messias  ph by Dió Freitas Cib Maia by  ph by Dió Freitas Aki Katai ph by Dió Freitas  

Letra da Dança: Dançaterapia, técnica e bem-estar

     O livro Letra da Dança é um manual completo para execução e aplicação de movimentos corporais em diversos segmentos da dança e dançaterapia. Sua existência tem potencial de ampliar o campo da Dançaterapia Contemporânea Brasileira, podendo ser aplicada em estudos e trabalhos relacionados às Práticas Integrativas Complementares, processos criativos em dança contemporânea e ensino-aprendizagem do movimento criativo em geral.     A técnica Letra da dança, desenvolvida há aproximadamente trinta anos por Clênio Magalhães, concentra potencial técnico, artístico, filosófico, terapêutico e psicológico.         O autor,  Clênio Magalhães é d outorando em Dança PPGDANÇA UFBA 2025, é professor, pesquisador, dançaterapeuta e artista da Dança. Especialista em Dançaterapia pela UNYLEYA (2021) e Mestre em Dança PPGDANÇA UFBA (2024). Autor dos livros O Corpo Ciente: ampliando o campo da experiência motora - Arcano 3 Editora  (2023) e Coreoação:...