Voltava para
casa quando percebi que um cachorro me seguia. Parei olhei para aquela criatura
esquálida, suja, temerosa e assustada. Seus olhos me fitavam tão profundamente
que parecia trazer algo a mais, além de piedade. Continuei andando e o cachorro
continuava a me seguir a distância. No caminho refleti sobre minha
impossibilidade de fazer algo direto em seu benefício mais urgente. Eu não
teria estômago para lavá-lo com minhas próprias mãos e nem dinheiro para
levá-lo a um pet shop ou veterinário. Então me lembrei de uma amiga que é
fanática por animais e passei em sua casa para que ela visse o bebê que me
seguia. Foi amor à primeira vista. Quando Eli minha amiga viu aquele ser, já se
abaixou, chamou com uma voz branda e o tomou pelas mãos. “É uma cadelinha!” Exclamou.
Imediatamente a colocou no carro, levou a cadelinha Bebê, que acabou sendo
batizada assim, para todo o tratamento de emergência que ela precisava. O tempo
passou e a Bebê cresceu. Era uma cadela dócil, brincalhona, dourada como um
capim seco, de pelo baixo, de rabo longo, de orelhas caídas e olhar
melancólico. Típico vira-lata.
Comigo a Bebê
sempre foi arredia. Eu pensava que era pelo fato de eu não tê-la assumido
quando ela me escolheu. Quando estávamos a sós, a Bebê se transformava numa
mulher magra, alta, surda e muda, apática e me olhava com olhos inexplicáveis.
Era uma mistura de compaixão, paixão, preocupação e adeus.
Uma vez Eli me
convidou para uma viagem com sua equipe de trabalho. Iríamos todos para uma
praia no litoral leste. Já com tudo pronto para a viagem, Eli me chamou e disse
que esta viagem era uma despedida. Sua casa no litoral sul, que há anos estava
em construção, ficou pronta e ela pretendia deixar o interior. E me pediu
segredo, pois ainda não achava forças para contar aos amigos.
Saí com aquela
notícia na cabeça para o lado de fora da casa, onde as crianças aguardavam
ansiosas pelo ônibus de viagem. Deitada na calçada, preguiçosa, estava a Bebê.
Coloquei-a no colo e a escolhi para quebrar meu silêncio e dividir com ela a
saudade que já sentia. Mas ela não me compreendia. Num momento de distração dos
passantes, se transformou em mulher e começou a gesticular desesperada. Em meio
a gestos apressados e sons incompreensíveis ela tentava me dizer que não era
para eu ficar muito grudado com ela. E eu disse que não se preocupasse, pois em
breve estaríamos a mais de quinhentos quilômetros de distância. De vez em
quando aparecia alguém e a Bebê voltava à forma de cadela, mas sempre que nos
percebia não notados, tornava-se humana e desesperadamente tentava me dizer
algo. Então ela fez dois círculos com as pontas dos seus dedos e os cravou em
meus olhos dizendo em palavras esforçadamente quase compreensíveis que eu não
podia ficar perto de ninguém, de nada grandiosamente vivo. Precisava manter uma
distância de pelo menos cem metros das pessoas, animais e árvores, pois eu
possuía uma anomalia no espírito que tornava minhas forças escorregadias para
os corpos alheios. Quanto mais perto eu me tornasse de pessoas, animais e
árvores, mais meu corpo definharia, e mais meus olhos afundariam para dentro da
face. Então chegou Eli, dizendo que o ônibus já se aproximava e que pegássemos
nossas bagagens. A Bebê correu para brincar com as crianças.
Acordei.
Até a próxima!
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